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CREA-RS ENTREVISTA: O Concreto Armado e suas Manifestações Patológicas


Com o professor Eng. Civil Bernardo Fonseca Tutikian. Créditos: Arquivo Divulgação

Iniciamos, a partir de hoje, entrevistas com especialistas de diversas áreas. Inauguramos o espaço com o tema Concreto Armado e suas Manifestações. Quem conversa com a gente é o Eng. Civil Bernardo Fonseca Tutikian, mestre, doutor, professor da Unisinos e pesquisador do Itt Performance. Autor de livros como Concreto autoadensável e Patologia das Estruturas de Concreto, Aço e Madeira, o professor leciona a disciplina de Patologia (estudo das doenças) das Construções e acredita que sua área mais nobre é a da prevenção.

CREA-RS – O que é Patologia do concreto?
Eng. Civil Bernardo Fonseca Tutikian – A patologia do concreto é o estudo das doenças do concreto. As estruturas de concreto, assim como nós, envelhecem, ou seja, apresentam uma degradação natural - que pode ser maior ou menor, dependendo das condições ambientais e do uso e da manutenção que a gente dá pra estrutura. Sendo assim, as estruturas vão envelhecendo, e necessitando de intervenções. As manutenções patológicas surgem recorrentemente e nós precisamos tratá-las.

CREA-RS – Quais são as principais manifestações patológicas na estrutura do concreto?
Eng. Tutikian – Sem dúvida nenhuma, o principal fenômeno é a corrosão da armadura do concreto armado. Essa corrosão é muito comum, principalmente, em ambientes perto da praia. Ou seja, perto da água salgada, de onde saem os íons cloretos, que são pequenos íons que entram muito rapidamente na estrutura de concreto, chegam na armadura e provocam a corrosão. Então, quem de nós nunca passou por uma edificação com corrosão? Esse é, sem dúvida, nosso principal problema.
A corrosão, além de criar o problema estético do óxido de ferro - popularmente conhecido como ferrugem - é uma transformação química, um processo eletroquímico que tira os elétrons do ferro do aço. Portanto, a corrosão diminui a capacidade portante da estrutura e provoca essa transformação química que aumenta o volume do aço e fissura o concreto, expulsando a camada de cobrimento. Esse processo acontece até que há um colapso da estrutura.

CREA-RS – Quais são os sinais para ligar o alerta de que o concreto está começando a ter alguma manifestação patológica?
Eng. Tutikian – Os sinais são a fissura do concreto, o lascamento do concreto de cobrimento e a aparência da própria ferrugem. Esses são sinais de que está havendo uma corrosão e, nesse caso, é preciso intervir imediatamente - principalmente se for perto da praia, como eu disse. É o caso do edifício Santa Fé, em Capão da Canoa, que colapsou em 2009, devido a uma intervenção mal feita. Ele estava com os pilares do térreo corroídos, e foi feita uma intervenção inadequada e a infraestrutura veio ao colapso. Há alguns anos, também, viralizou um vídeo que mostrava a degradação total da estrutura da ponte entre Imbé e Tramandaí. 
A intervenção consiste em evitar a corrosão e, talvez, fazer uma recuperação estrutural. Entretanto, o que muitas vezes vemos são maquiagens. Ou seja, a Prefeitura, o Estado ou o dono da obra fazem um “reboquinho”, uma pintura e pronto, achando que está resolvendo o problema. Na verdade, isso está só escondendo o problema - o que é até pior, porque o torna imperceptível para as pessoas.

CREA-RS – O conceito Patologia do Concreto já é uma realidade entre os profissionais da engenharia?
Eng. Tutikian – Nós temos um problema sério de capacitação dos profissionais, porque, na grande maioria das universidades, não consta no currículo essa disciplina na graduação. Na Unisinos existe a disciplina de Patologia das Construções como obrigatória, que, inclusive, eu tenho a honra de ser o professor, no curso de Engenharia Civil. Mas a grande maioria das universidades, dos cursos de Engenharia Civil, não tem a disciplina como obrigatória, tem no máximo como optativa. No caso do curso de arquitetura é ainda mais raro. Assim, colocamos no mercado uma série de engenheiros e arquitetos sem conhecimento da área. Assim, surgem os problemas e fica evidente a falta de conhecimento dos nossos profissionais sobre a área de Patologia das Construções e resulta nos exemplos de colapso que eu trouxe.

CREA-RS – A manutenção e a inspeção predial servem para realizar um diagnóstico das manifestações patológicas? Como isso é feito?
Eng. Tutikian – Eu nunca posso pensar na correção do problema se eu não determinar a causa, se eu não tiver um perfeito diagnóstico. Esse diagnóstico, por sua vez, é feito através da inspeção predial. Então, vai um engenheiro, vai um arquiteto até a edificação, faz uma inspeção predial dos elementos que estão apresentando problemas, do entorno, conduz uma conversa com o síndico, uma análise de projeto, que é o que nós chamamos de anamnese, ou seja, o estudo dos antecedentes. É o mesmo que o médico faz quando nos pergunta se temos um problema parecido na família, olha como estão os outros exames… para chegar em um diagnóstico preciso.
No prédio, é praticamente a mesma coisa e, se ainda assim eu não conseguir chegar em um diagnóstico preciso, é possível usar ensaios não destrutivos e semi-destrutivos. Esses ensaios podem me dar uma resposta mais aprofundada do que está acontecendo. A quantidade de ensaios, quais ensaios, etc., dependem da decisão do profissional, de sua qualidade e experiência, do seu conhecimento. Um profissional mais experiente, conhecedor do tema, vai fazer muitos diagnósticos corretos através da inspeção visual, que é mais rápida e barata. Agora, um profissional, talvez, um pouco menos experiente no tema, vai ter de usar mais ensaios para garantir um bom diagnóstico.

CREA-RS – Existe no Brasil a cultura da manutenção e inspeção predial?
Eng. Tutikian – Não, não existe uma cultura muito grande no Brasil. Estamos aprovando e colocando em vigor, nos últimos anos, uma série de normas para combater isso. Entrou em vigor a norma de reforma em 2015 (NBR 16280), e entrou em vigor a norma de inspeção predial em 2021 (NBR 16747). A norma de desempenho está em revisão (NBR 15575). Então, estão sendo colocados no mercado uma série de documentos, mas é preciso melhorar e aumentar essa cultura. Infelizmente, há leigos, como síndicos, moradores, etc..., que, muitas vezes, não têm essa cultura de inspeção e diagnóstico e enxergam isso como um custo desnecessário.

CREA-RS – O que fazer assim que esses sinais são identificados e o diagnóstico das manifestações patológicas é feito?
Eng. Tutikian A partir daí, é providenciar a terapia. Então, primeiro, é preciso um bom diagnóstico. Eu não posso tratar a manifestação patológica. Eu tenho de tratar a causa, certo? Eu dou alguns exemplos na área médica que, às vezes, é mais fácil de entender. Não adianta eu chegar no médico com dor de cabeça e ele simplesmente me dar um remédio para dor de cabeça. Pode ser que elimine a minha dor de cabeça naquele momento e tire aquele desconforto momentâneo, mas o que causou a dor vai permanecer. Como exemplo, pode ser o COVID. Se o médico não tratou a COVID, só tratou a minha dor de cabeça, ou seja, a manifestação patológica, o que que vai acontecer? Daqui a dois dias essa dor de cabeça pode voltar e o vírus já estará muito mais forte. A dor de cabeça então era o menor dos problemas, posso já estar com falta de ar, muito mais comprometido e a chance de me recuperar já será menor. A mesma coisa com o concreto. Não adianta tratar a fissura com uma boa pintura. Pode ser que essa fissura seja ocasionada por um recalque diferencial. O prédio vai continuar com o problema e quando eu tiver de corrigi-lo será muito pior.
Logo, depois de um bom diagnóstico, feito por um profissional competente, conhecedor do tema, experiente, vamos para a correção do problema de maneira adequada.

CREA-RS – Como prevenir que o concreto armado desenvolva manifestações patológicas?
Eng. Tutikian – Na área da Patologia, chamamos a prevenção de profilaxia, que são as medidas preventivas. Por exemplo, eu escovo os dentes 4 vezes ao dia para não ter a cárie, pois eu não quero ficar tratando a cárie, é melhor eu não ter. Então, a profilaxia é sempre o mais econômico e o mais adequado tecnicamente falando. Essa, para mim, é a área mais nobre da Patologia, apesar de que a maioria dos profissionais entendem que é a terapia (correção dos problemas).
Na estrutura de concreto armado é preciso ter um bom cobrimento, respeitar as normas de projeto, ter uma boa execução para que o concreto proteja a armadura e cumpra com os requisitos normativos. As pinturas e os revestimentos são excelentes elementos preventivos, pois protegem a estrutura contra as agressividades urbanas, marinhas e ambientais em geral.
Porém, as pessoas, infelizmente, não estão acostumadas a fazer manutenção preventiva nos prédios. Fazem, basicamente, a corretiva. Ou seja, deu o problema, eu arrumo. Claro que eu estou generalizando, mas, normalmente, é mais ou menos isso o que acontece.

CREA-RS – Pode nos falar um pouco sobre o Patologia e Perícia das Edificações da Unisinos e como este curso pode contribuir nas atividades dos profissionais da área?
Eng. Tutikian – Na Unisinos, nós temos o curso de especialização em Patologia e Perícias, que é um dos únicos do Brasil. Decidimos montá-lo, justamente, devido a toda essa explicação, pela importância da área, pela falta de profissionais qualificados e capacitados e pela falta de locais para esses profissionais que se interessam se qualificarem. Ou seja, hoje se um profissional quer ser especialista em Patologia, ele tem dificuldade de achar um local para isso. Então, nós criamos essa especialização para suprir essa demanda.
O mestrado na área de Patologia da Unisinos também é muito forte nesse sentido, pois queremos qualificar os profissionais para esse mercado tão amplo. Muitos profissionais reclamam do baixo preço cobrado por alguns colegas, mas como aumentar a remuneração de qualquer atividade? Com capacitação técnica, mostrando que eu faço um trabalho diferenciado, que o prédio que me contratar fará isso só uma vez, porque o problema será devidamente corrigido. Se contratar outro que está cobrando mais barato, terá de contratar novamente, e novamente.
Resumindo, eu tenho de mostrar capacitação, currículo, conhecimento técnico e etc. E o nosso curso, que é bem aplicado e interessante, vem para suprir essa demanda de mercado.



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