Assembleia discute prevenção de catástrofes em São Lourenço do Sul
A Audiência Pública da Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul foi realizada, quinta-feira (09), na Câmara de Vereadores de São Lourenço do Sul por solicitação da Associação de Engenheiros e Arquitetos de São Lourenço do Sul e Região.
Participaram representantes do Ministério de Ciência e Tecnologia (INPE - São Paulo), Ministério das Cidades, e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (órgãos federais); Defesa Civil, Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Agencia Reguladora dos Serviços Concedidos (AGERGS), CREA-RS, Associação de Bombeiros, e outras entidades menores, além de dois Deputados Estaduais (Cassiá Carpes e Pedro Pereira) e do Diretor do Fórum Democratico de Desenvolvimento Regional (FDDR) da Assembleia Legislativa.
A Comissão objetivou tratar da prevenção de catástrofes. A audiência aconteceu na Câmara de Vereadores do município e foi coordenada pelo vice-presidente da comissão, Cassiá Carpes (PTB), e pelo deputado Pedro Pereira (PSDB), contando com a presença de especialistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Nacional de Meteorologia, do Ministério das Cidades, da Secretaria de Obras do RS, da Defesa Civil e de autoridades municipais.
Conforme o coordenador do Grupo Executivo de Acompanhamento de Debates (Gead) Sustentabilidade Ambiental do Fórum Democrático, Lélio Falcão, que propôs a audiência, o objetivo é iniciar um processo de mobilização das comunidades já atingidas por catástrofes e de outras com potencial para isso, no intuito de se articularem com a Defesa Civil. “A Defesa Civil, como o nome diz, deve ser mais da sociedade civil, com apoio dos governos municipais, estaduais e federal, para que tenha continuidade”, afirmou.
Moções da audiência
Como resultado da audiência, foram apresentadas as seguintes moções:
– Que a Comissão de Assuntos Municipais pesquise junto aos Municípios gaúchos a realidade da Defesa Civil e imprima um material semelhante à cartilha do Procon;
– Que a Assembleia Legislativa inclua dentre suas prioridades a revisão de legislações preventivas de catástrofes e desastres;
- Que o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União (TCU) e outros órgãos e autarquias públicas colaborem para que todos os municípios mantenham quadros qualificados para o planejamento urbano e rural, em especial na identificação de áreas de risco;
– Que os órgãos dos Executivos municipal, estadual e federal priorizem as obras e serviços preventivos de desastres e catástrofes;
– Que os órgãos dos Executivos municipal, estadual e federal qualifiquem as pessoas responsáveis pela Defesa Civil, sejam voluntários ou não, e as equipem adequadamente com poder de resposta e mitigação;
– Que os órgãos dos Executivos municipal, estadual e federal agilizem os processos para mitigação dos danos causados por catástrofes e desastres;
– Que se encaminhe ao Ministério da Integração Nacional e à Presidência da República manifestação de apoio à convocação imediata da II Conferencia Nacional da Defesa Civil;
Abertura
O deputado Cassiá Carpes (PTB) parabenizou o município pela criação de sua Defesa Civil e disse que a questão das defesas civis é tratada com frequência na Comissão de Assuntos Municipais. Ele lembrou que o projeto de lei do governo Yeda que criou o Fundo Estadual da Defesa Civil surgiu na comissão.
O deputado Pedro Pereira (PSDB) afirmou que São Lourenço é um dos municípios mais importantes da metade sul do Estado, possuindo atrações turísticas decorrentes da natureza privilegiada. “Mas, ao mesmo tempo em que a natureza dá, ela busca de volta”, advertiu. Daí a importância da prevenção.
O presidente da Câmara de Vereadores do município, Dari Pagel, agradeceu pela participação da comunidade e afirmou que quando foi procurado para sediar a audiência aceitou prontamente, pois o município tem alto interesse no assunto devido à experiência trágica da enchente de 2011.
O representante do prefeito municipal, Amilton Neutzling, saudou as lideranças do município e disse que o prefeito não estava presente por ter viajado a Brasília para tratar de assuntos de interesse da região. Informou que, dentro do Conselho da Defesa Civil, estão sendo trabalhados fortemente a prevenção e o planejamento. Por isso, com a enchente de 2011, conseguiram fazer um trabalho de monitoramento das águas e uma ação junto à comunidade com veículo de som para alertar a população de que a água estava subindo e que as pessoas deveriam deixar as casas.
Causas da enxurrada
O meteorologista Gil Russo, do Instituto Nacional de Meteorologia, apresentou um trabalho técnico sobre a enxurrada ocorrida entre os dias 9 e 10 de março de 2011, em São Lourenço do Sul, quando choveu entre 500 e 600mm em um dia apenas, quantidade que seria normal para cinco meses. Mostrou fotos dos alagamentos e de uma ponte praticamente destruída, fato que isolou o município em relação à metade sul do Estado. Apontou como causas do fenômeno o alto teor de umidade, a temperatura elevada, a existência de um sistema de baixa pressão em altitude e as nuances do relevo da região.
Inexistência de um satélite meteorológico brasileiro
Já o meteorologista Giovane Dolif, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), afirmou que grande parte dos desastres naturais no Brasil são causados por fenômenos hidrometeorológicos, como inundações e deslizamentos decorrentes de chuvas. Falou sobre a criação do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTec), em 1986, e também sobre a estrutura e a missão do órgão. Afirmou que estão sendo feitos investimentos para que ocorra a independência em relação à previsão do clima no resto do mundo.
Segundo ele, o CPTec trabalha com uma rede mundial de coleta de dados, os quais chegam através de satélites e são processados por um supercomputador, com a utilização de equações, o que resulta nos mapas que a população vê diariamente. Ele informou que o CPTec também envia alertas meteorológicos para a defesa civil nacional, para meteorologistas, para centros estaduais, para prefeituras e órgãos governamentais, dentre outros. Entre as condições adversas de tempo que dão origem aos alertas estão chuvas intensas, ventos, rajadas, granizo, geadas e descargas elétricas.
O especialista repetiu o que já havia sido comentado durante o Simpósio Gaúcho das Águas, realizado pelo Fórum Democrático em 2012. Afirmou que não existe um satélite meteorológico brasileiro, o qual seria importante para a previsão de desastres. Sobre as limitações da previsão meteorológica, disse que o Inpe emitiu um alerta de chuva forte na ocasião da enxurrada, mas ainda não está ao alcance da meteorologia prever uma chuva como a que aconteceu em São Lourenço. Chamou atenção para a persistência da precipitação em cima de uma mesma região.
Sistema estadual de previsão de eventos extremos
O técnico João Manoel Trindade, do Departamento de Recursos Hídricos (DRH), vinculado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), falou sobre o projeto do sistema de gestão de riscos e de previsão e monitoramento de eventos extremos. Segundo ele, a ideia é implantar uma sala de monitoramento estadual, para realizar previsões mais detalhadas sobre o que vai acontecer no Rio Grande do Sul. O objetivo seria ter, no Estado, um mecanismo semelhante ao que existe em São Paulo.
Informou que a primeira ação é a instalação de estações hidrometeorológicas para medir níveis de rios, que deve ocorrer em junho, sendo 38 estações destinadas a medir a chuva e a cota dos rios. “Com esse conhecimento, é possível medir o que vai acontecer, complementando o trabalho do Inpe. Um software na Sema vai gerar os alertas por município de acordo com os alertas do Inpe, especificando o trabalho nacional”, explicou. Enfatizou que uma das estações hidrometeorológicas será instalada na cabeceira do rio São Lourenço. De acordo com Trindade, esse tipo de monitoramento está previsto no Fundo Estadual de Recursos Hídricos e as prefeituras que tiverem Defesa Civil podem entrar em contato com a Sema para fazer parcerias.
Desvinculação entre corpo de bombeiros e polícia militar
O coordenador da Associação de Bombeiros do Estado (Abergs), Ubirajara Ramos, afirmou que o Corpo de Bombeiros atualmente é um departamento da Polícia Militar do RS, situação diferente de outros estados, como Rio de Janeiro e São Paulo, em que não há vinculação com a polícia. “A Constituição de 88 diz que bombeiro é bombeiro e polícia é polícia”, esclareceu. Ele relacionou o atual desaparelhamento do corpo de bombeiros com a vinculação do órgão à polícia. Segundo Ramos, os bombeiros têm hoje 2,8 mil servidores, enquanto o ideal seria que houvesse 11 mil, nos cálculos de especialistas.
Lembrou que as atividades da Defesa Civil estão estreitamente ligadas às funções dos bombeiros. “Mas como organizar a defesa civil com a falta de bombeiros?”, questionou. O palestrante também disse que se houvesse aeronave e embarcação adequadas, poderia ter sido contido no seu início o incêndio que atingiu o Taim em 2008 e agora se repetiu em 2013. “O Fundo Estadual de Defesa Civil prevê verbas para o aparelhamento dos órgãos de execução, mas o investimento não é feito”, lamentou.
Ao final da exposição, ele apresentou a sugestão de desvincular o Corpo de Bombeiros da PM e criar de fato uma secretaria de defesa civil, integrando os municípios e a sociedade. “Por que isso não ocorre?”, questionou. “Não sei a resposta, se alguém souber, gostaria que me informasse”, disse. Conforme Ramos, o motivo parece ser a defesa de interesses pessoais e corporativistas e a falta de vontade política aliadas ao desconhecimento da sociedade. “Se houver outra explicação, que alguém venha e diga”, frisou.
Esforços da Defesa Civil de São Lourenço durante e depois da enxurrada
O representante da Defesa Civil de São Lourenço do Sul, Rodrigo Seffel, relatou detalhadamente todas as providências que foram tomadas por ocasião da enchente de 2011, entre elas a elaboração do chamado Avadam, processo de avaliação de danos. Estes somaram cerca de R$ 165 milhões. Relatou também uma série de ações como gestões junto à CEF, ao INSS, ao BNDES, ao Sebrae, à CEEE e Corsan. Finalmente, falou sobre os investimentos para a recuperação da infraestrutura destruída pela enxurrada, que contaram com recursos de diversas origens.
Afirmou que, em 2012, a Defesa Civil passou a trabalhar mais na prevenção, tornando-se referência ao lidar com desastres e tendo sido um dos um dos sete municípios contemplados pelo plano nacional de contenção de riscos de desastres naturais. O município atualmente está pleiteando três pluviômetros automáticos e realizando uma série de outras ações para aprimorar o trabalho da Defesa Civil. No ano de 2013, a cidade pretende implantar núcleos comunitários de defesa civil.
Debates
O morador Madir Neves disse ter visto na audiência o quanto a sociedade está desestruturada. “O aporte de informações existe, mas quando teremos a possibilidade de concretizar o bom atendimento ao cidadão?”, questionou. “Apelo para que se empenhem mais, porque o que se tem visto é muito pouco”, disse, criticando a lentidão das ações conduzidas pelo poder público.
Em resposta, o deputado Cassiá Carpes defendeu as ações realizadas pelo poder público e elogiou a atuação da Defesa Civil do município na ocasião. Afirmou que os municípios só não recebem mais verbas porque faltam bons projetos. “Se tiver projeto, o dinheiro tem, mas temos a cultura de buscar dinheiro somente pelas emendas parlamentares”, explicou. “Há muito a ser feito, mas nenhum município ou estado sozinho vai resolver. É necessário integração”, completou. O deputado solicitou que as ações sejam feitas em conjunto com o poder público.
Problemas nos critérios para a distribuição de ajuda governamental
O morador Márcio Holz afirmou que as palestras foram “bonitas”, mas, como cidadão, queria saber como pode ser dito que 150 famílias foram beneficiadas, se há pessoas que reclamam não terem recebido nada. Afirmou que, ao contrário, haveria também casos de pessoas que não sofreram nada, mas foram beneficiadas.
A moradora de São Lourenço Caroline Borges afirmou que ninguém da Defesa Civil esteve em sua casa por ocasião da enxurrada. "Quero saber quais são os critérios e quem avaliou", disse. Ela reclamou do mau atendimento que diz ter recebido durante a calamidade.
Inpe não teria alertado o município
O ex-prefeito de São Lourenço do Sul, José Nunes, perguntou ao meteorologista do Inpe para quem foi dirigido o alerta mencionado pelo palestrante. “Ninguém informou ninguém”, enfatizou. Relatou os esforços extremos realizados na época, quando a prefeitura acordou as pessoas no meio da madrugada, porque percebeu que a chuva estava avançando muito. Defendeu o trabalho da Defesa Civil relatado na audiência. Questionou o que a Comissão de Assuntos Municipais fez para que os pleitos do município à época fossem atingidos. Falou sobre o projeto que trata do estudo necessário para prevenir futuros danos e solicitou que a Comissão de Assuntos Municipais faça os encaminhamentos necessários.
O meteorologista do Inpe Geovane Dolif esclareceu que o trabalho do órgão tem limitações e que o Inpe não faz alertas específicos por município, mas envolve regiões maiores.
Em meio às intervenções, o deputado Cassiá Carpes aproveitou para esclarecer que a comissão que esteve em São Lourenço por ocasião da enxurrada foi a de Economia e não a de Assuntos Municipais.
Quanto aos questionamentos, o representante do prefeito municipal, Amilton Neutzling, respondeu dizendo que o poder público buscou atender à população da melhor maneira possível. “Difícil dizer por que não houve o atendimento da moradora Caroline Borges”, explicou. Afirmou que foram contratadas empresas para fazer as avaliações das famílias que se cadastraram, tendo ocorrido a visita de engenheiros. Também explicou que os recursos existentes eram baixos e que os levantamentos foram enviados para os conselhos da defesa civil e da habitação, que ajudaram a formular os critérios que deram origem ao decreto municipal que regulou a distribuição do auxílio.
Neutzling agradeceu pela possibilidade do debate e solicitou apoio da comissão para encaminhar em Brasília a busca de recursos para os estudos necessários à prevenção de catástrofes. Também informou que o município está pleiteando R$ 17 milhões junto ao PAC 2 para obras de drenagem e pavimentação.
O vice-presidente da Agergs, Juarez Molinari, saudou os presentes, falou sobre as diversas áreas de atuação da agência e colocou-se à disposição dos presentes para projetos em conjunto. Afirmou que o desastre atingiu o desenvolvimento de toda a região sul, deixando o município um ano sem duas pontes e causando enormes prejuízos, inclusive ao turismo. “É necessário que todos estejamos unidos para prevenir desastres como aquele que aconteceu”, finalizou.
Tiago Galvão, do Ministério das Cidades, afirmou que o ocorrido em São Lourenço pode acontecer de novo, mas a pergunta deve ser se estamos preparados caso aconteça. “Temos um estudo de bacias? Os projetos têm de ter funcionalidade em relação às bacias, se não eles retornam”, explicou.
O engenheiro Marino Grecco, representando o Crea-RS, afirmou que o político e o técnico têm de andar juntos sempre. “Para que projetos sejam aprovados por quaisquer órgãos existem uma série de burocracias que são necessárias”, salientou, dizendo que não basta inaugurar equipamentos, sendo também necessária a manutenção dos sistemas.
Também participaram da audiência o diretor do Fórum Democrático da AL, Rogério Santos, e o coordenador do Fórum Democrático, Solon Duarte; além do assessor Edir Domeneghini participou da audiência representando o deputado Ronaldo Santini (PTB).
Com informações Agência de Notícias ALRS