Seminário marca 50 anos da retomada comercial Brasil-China
Mesa de abertura do seminário que celebrou os 50 anos da retomada das relações comerciais entre Brasil e China. Créditos: YouTube
Retomadas pelo presidente Ernesto Geisel em 1974, as relações comerciais entre Brasil e China superam seus índices a cada ano. Agronegócio, mineração, energia e celulose estão entre as principais atividades que tornaram o país asiático o principal parceiro comercial brasileiro desde 2009. Na manhã desta quinta-feira (1/8), o comércio bilateral foi debatido por lideranças dos dois governos e empresários no seminário “Brasil e China – 50 anos de Amizade: finanças verdes, descarbonização e investimentos”, em Brasília.
O evento promovido pelo site/TV Brasil 247 sistematizou uma série de indicadores e expectativas para incrementar essa parceria, sobretudo no contexto da Nova Indústria Brasil, lançada pelo governo no início do ano. “Temos um papel decisivo na segurança alimentar da China”, afirmou o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloísio Mercadante. “Em um mundo complexo em que nós estamos, é muito importante jogar com a multipolaridade”, comentou o assessor internacional da presidência da República, Celso Amorim. “O Brasil é o maior parceiro comercial da China na América Latina”, considerou o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao.
Dividido nos painéis “Finanças verdes: descarbonização e investimentos” e “,o seminário contou em sua abertura com o presidente da Apex-Brasil, Jorge Viana, que considerou que os investimentos cresceram de seis para 150 bilhões em 20 anos e sustentou a necessidade ampliar projetos de portos e ferrovias, como a que poderá ligar o Brasil ao Pacífico pelo Peru. “Apesar da melhora na performance, fornecemos pouco menos de 5% do que a China consome. Isso pode e precisa ser melhorado. Devemos seguir exportando comodities, mas os produtos exportados pela China têm alto valor agregado. Podemos trabalhar juntos por mais investimentos da China no Brasil, sobretudo em infraestrutura”, ponderou.
Já o presidente do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), Walfrido Warde, destacou a importância de o país ter políticas públicas adequadas com ações governamentais, clamando pela unidade entre os poderes. “Precisamos disponibilizar de orçamento para desenvolver políticas públicas, indispensáveis ao desenvolvimento do país”, disse.
O embaixador Celso Amorim considerou ainda que a parceria sino-brasileira “dá frutos que vão muito além da parte econômica, por reequilibrar as relações internacionais”, o que foi confirmado pelo embaixador da China no Brasil. “As relações entre os dois países já ultrapassaram o âmbito bilateral”, disse, citando a aliança global contra a forme e a pobreza. “O desenvolvimento é a chave para resolver o problema da humanidade e dos países. Estamos fazendo um aperfeiçoamento do desenvolvimento econômico de alta qualidade com uma globalização econômica mais aberta e inclusiva, diante dos desafios globais emergentes”, disse, citando a integração do comércio e das cadeias de produção em setores como energia, mineração, agricultura de baixo carbono, saúde e medicina, por meio de uma cooperação internacional de investimentos voltada ainda à redução dos desastres naturais. “A amizade sino-brasileira será escrita por todos nós para os próximos 50 anos dourados das relações China-Brasil”.
Para o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que participou do final do evento, é preciso fomentar o equilíbrio entre os investimentos público e privado “para que a gente possa desenvolver o país e construir um país mais justo e fraterno”. Sobre a parceria com a China, considerou que “graças à nossa estabilidade jurídica, vivemos em um momento muito bom porque o Brasil voltou a dialogar com o mundo. Estávamos partindo para um isolamento que nos levaria à bancarrota e ao declínio desses investimentos internacionais”.
Ele também manifestou “gratidão” pela participação chinesa em leilões de linhas de transmissão, com investimentos de 20 bilhões de reais. “Elas vão destravar em torno de 200 bilhões de reais em geração de energia limpa”, disse, informando que estaria nesta sexta-feira (2/8) com o presidente Lula no Ceará para a regulamentação do hidrogênio verde no Brasil, fundamental para a produção de amônia, ureia e fertilizantes. “Isso vai ser viabilizado no Brasil para a gente produzir mais perto do nosso mercado consumidor”, disse, citando o sucesso de um leilão de petróleo na véspera, arrematado por duas empresas chinesas e a expectativa de receber o presidente da China, Xi Jinping, na reunião do G-20. “É preciso buscar o equilíbrio entre o capital, a tecnologia, a inteligência artificial para que a gente possa também agregar valor aqui. Essa sinergia é completa e absoluta entre Brasil e China”.
Finanças verdes
Há 15 anos envolvida com as relações comerciais sino-brasileiras, a diretora da Valya Negócios e Investimentos, Larissa Wachholz, enfatizou as oportunidades sobre o futuro da parceria. Entre elas, “investimentos recíprocos que colaborem com as políticas de de desenvolvimento dos dois países” e ainda “a atuação do grupo específico para a discussão climática entre os dois países”, além de “alterar a capacidade exportadora com elementos de maior valor agregado” e ainda o foco na descarbonização por meio do programa de recuperação de pastagens degradadas e da atenção à cadeia produtiva da mineração estratégica.
“Temos poucos instrumentos de financiamento do processo de exploração mineral. Há iniciativas do BNDES para isso, mas essa parceria sino-brasileira também poderia ser conduzida para este segmento, dado que a China é o principal investidor em energias renováveis do mundo e tem uma cadeia na manufatura de equipamentos para a transição energética que fazem uso de minerais estratégicos que temos no Brasil”, acrescentou, ainda na abertura do seminário. Larissa também destacou a competitividade brasileira na geração de energia elétrica limpa e a possibilidade de seu uso atrair investimentos como os fertilizantes nitrogenados verdes, que interessam à descarbonização das empresas chinesas. Larissa também abordou o incentivo ao etanol pela aviação e a navegação.
As “finanças verdes” também foram abordadas pelo presidente do BNDES. Falando em “mobilidade elétrica”, Aloísio Mercadante apontou que as importações de carros elétricos cresceram 440%. “Mas queremos que a indústria chinesa produza aqui, carros híbridos com etanol. E ônibus elétrico produzido aqui. Isso descarboniza. Também precisamos de integração das cadeias produtivas. Vamos ser líderes em produção de hidrogênio verde, podemos fazer muito mais com a China nesse esforço. Os eventos climáticos serão cada vez mais extremos e urgentes”, disse, mencionando os recursos destinados pela China para a reconstrução do Rio Grande do Sul.
Ao apontar a possibilidade de ampliar o “blend” de etanol de cana de açúcar e de milho na gasolina chinesa, representando um ótimo retorno para o setor, Aloísio Mercadante considerou que o Banco exerceu um papel de fomento da economia chinesa, destacando a necessidade de mudar a relação de exportação, gerando maior valor agregado, por meio de investimentos na neoindustrialização ou Nova Indústria Brasil.
“Tivemos um processo de desindustrialização e de financeirização. O processo de globalização está levando a uma fragmentação do ciclo geopolítico. A nova Guerra Fria não interessa ao Brasil e ao Sul global. Hoje temos um papel decisivo na segurança alimentar da China. Precisamos desenvolver as rotas de integração via oceano. Temos que voltar a investir na ferrovia que o Jorge Viana falou, pois ganharíamos duas semanas em termos de logística. Temos 3,9 bilhões de reais investidos pelo BNDES para avançar nesta e outras rotas comerciais para o Pacífico”.
A necessidade de promover o comércio em moeda chinesa para os exportadores de comodities foi uma das estratégias destacadas por ele e outros participantes. O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social também comentou que a transformação digital pode ser decisiva para a economia, em áreas como serviços. “O Brasil precisa se preparar para a Inteligência Artificial. Liderar investimentos em datacenters, supercomputação e inteligência artificial, mas precisamos de mais valor agregado. Usar o crédito em áreas estratégicas”.
Conselheiro especial da BYD, Alexandre Baldy considerou que a reabilitação de uma planta industrial abandonada no município baiano de Camaçari pela montadora chinesa pode simbolizar os 50 anos das relações comerciais bilaterais. “Foram investidos 300 milhões de reais em uma planta industrial abandonada em Camaçari. Assim vamos começar a transferir a tecnologia”, comentou, informando que a marca também investe em capacidade energética e eficiência energética, inclusive com uma planta de ônibus elétricos.
Ceo da Cedro Mineração, Lucas Kallas que é preciso falar da mineração dentro da agenda positiva para a descarbonização. “Tudo passa pelo minério de ferro na indústria que tem muito a crescer na grande reindustrialização do Brasil”. Investimentos de cerca de 14 bilhões de dólares em gás, usinas solares no interior do Piauí e do Ceará e outras atividades foram destacados pelo diretor de comunicação e relações institucionais da Spic Brasil, Roberto Monteiro Jr. A empresa está há seis anos no Brasil.
Neoindustrialização
“O gás é importante na segurança energética”, diz, informando que a empresa atua com usinas com 1.7 gigas. “O próximo passo é o hidrogênio verde. Em cinco anos, demora um pouco, assim como foi a eólica e a solar. Temos esperança de que o Brasil possa liderar o hidrogênio verde, disse, citando investimentos no porto do Pecém, no Ceará. “É a neoindustrialização brasileira. Precisamos estudar a cadeia. Não existe desenvolvimento econômico sem indústria”, diz.
Com atuação até mesmo como professor em uma universidade chinesa, o economista Uallace Moreira Lima, conhecido por sua atuação no canal Conexão Xangai, no YouTube, e atual secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, considerou o papel do BNDES no fomento para a neoindustrialização, que vem sendo encampada pelo ministro e vice-presidente Geraldo Alckmin.
Depois do processo de desindustrialização enfrentado na década de 1990, ele acredita ser necessário desenvolver parcerias estratégicas preocupadas com os elos das cadeias produtivas. “Datacenters, eólicas importadas, painéis fotovoltaicos, importação de carros elétricos não contribuem para a indústria brasileira. Não agrega, se não produzir. Mas se a gente fizer conteúdo de trabalho aqui, vai ser motivo de protestos”, considera Uallace.
Para ele, o Brasil tem capacidade de superar a verticalização das cadeias produtiva. “Com o Hidrogênio verde de baixo carbono, é preciso gerar cadeia. Queremos fazer com que a indústria seja de novo protagonista da geração de emprego. Gerar emprego na indústria é fundamental para reduzir a desigualdade social”, disse, citando a necessidade de cadeias industriais para o café brasileiro.
O presidente do BNDES ressaltou a necessidade de investimentos em projetos estruturais para a neoindustrialização. “Alavancar a logística, investir em políticas públicas ligadas à inovação, transição climática, transição energética, etanol e biocombustível, antes do hidrogênio verde; minério de ferro, reflorestamento produtivo. O Brasil precisa integrar as cadeias produtivas e construir junto esse salto de qualidade”.
Financiamento agrícola
Secretário de Comércio do Ministério da Agricultura e Pecuária, Roberto Perosa considerou que “através de muita negociação”, foram abertas mais de 38 plantas frigoríficas para exportação à China. “Isso democratizou a exportação de produtos animais para a China. Em todo o país, há essa possiblidade, o que traz riqueza, renda e emprego”.
Segundo ele, o Brasil exportava 80 milhões de dólares de café para a China em 2021. “Em 2023, exportamos 280 milhões de dólares de café. Nesse ano, articulamos com a Apex, e somente uma empresa da China vai importar 500 milhões de dólares, podemos chegar a 800 milhões de dólares”.
Perosa afirma que o acordo é fruto da retomada da boa relação entre o Brasil e a China. “Temos também muito interesse em financiamento chinês. Não adianta a gente captar, se na conversão a gente tem uma perda da competividade na taxa de juros”.
O secretário citou a expectativa de investimentos chineses, estimados em 120 bilhões de dólares, em pastagens degradadas que podem ser convertidas em áreas de agricultura. “Estamos buscando investimentos em áreas já antropizadas, sem derrubar nenhuma árvore da floresta. Podemos produzir mais, mais barato e com maior descarbonização”.
Ele informou ainda que 60% da proteína animal do país são exportadas para a China. “Temos diversas cadeias em que o maior mercado é o mercado chinês”, diz, incentivando investimentos com base na diferença entre a taxa de juros dos dois países, em real e renminbi.
Essa também é a expectativa do vice-presidente do Bank of China Brasil, Hsia Hua Sheng. Informando que a instituição financeira tem feito muitas parcerias com o ministério da Agricultura e com o BNDES, ele considerou que “não adianta fazer a captação, mas também a parte da conversão”. Até hoje, diz, a maioria das transações é feita em dólar. “Queremos tentar criar mais uma alternativa para os empresários, usando a moeda local. Do ponto de vista prático, o Banco e instituições financeiras brasileiras, há outras alternativas para fazer isso, como as cartas de crédito. Com uma taxa de juros menor do que em dólar”. Hoje, a taxa de juros do Banco da China é de 2,7%.
Em sua segunda participação, Larissa Wachholz apontou que a agricultura leva o desenvolvimento ao interior, agregando valor. “Proteínas são produtos muito intensivos na geração de emprego e renda. Estão na pauta de exportação. Além da atuação governamental que acontece hoje, é preciso que o setor privado assuma a liderança da promoção dos seus produtos na China. É um comércio muito importante, que chama atenção pelos números, mas que pode ir muito além se a gente tiver uma participação mais efetiva, lá na China, para entender o que o consumidor de lá precisa”, disse, citando o exemplo do café e considerando a importância de iniciativas nos produtos lácteos, cosméticos, entre outros.
O secretário de Comunicação Social do governo, Paulo Pimenta, relatou que participou, em 2005, da missão pioneira que abriu o mercado da soja na China. Falando em transição energética, ele considerou que a relação Brasil-China foi fundamental para encontrar “o protagonismo que permite que o Brasil esteja à frente do Brics (Novo Banco de Desenvolvimento) e que ano que vem sedie a COP”. Ele também agradeceu o apoio de empresas e do governo chinês à reconstrução do Rio Grande do Sul.
A exportação de produtos agrícolas para a China foi destacada também pelo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira. “Estamos também travando um grande intercâmbio com a China para a agricultura familiar, que tem um parque de máquinas para essa área. Temos quase cinco milhões de agricultores familiares, e queremos ter indústrias instaladas no Brasil que produzam máquinas para a agricultura familiar. O desafio é segurança alimentar, soberania alimentar”, disse, considerando que a instalação das fábricas pode seguir os modelos de joint-venture com as empresas brasileiras ou a vinda direta dessas indústrias para o Brasil. “Temos quatro indústrias no Rio Grande do Norte e uma chegando a Pernambuco. Isso beneficia não só o Brasil porque somos exportadores de máquinas para diversos países”.
Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea